quarta-feira, 10 de setembro de 2008

E a paixão pelos livros é eterna...



Minha primeira paixão sempre foi literária. A música veio depois, muito depois. Primeiro veio o verso. Depois a prosa, o livro, os rascunhos, os pedaços de papel escondidos debaixo da cama, anotações de um diário imaginário. Adiantando no tempo vieram enfim as cartas. Correspondências trocadas com uma infinidade de pessoas que eu nunca cheguei a conhecer. Guardo até hoje essas correspondências juvenis, amizades que nasceram através da palavra. Palavras que me rodeavam e me descreviam enquanto eu tentava entender o mundo e as coisas do mundo.

Assim, o fascínio pelo livro, pela palavra escrita, sempre andou por perto, e até hoje ainda viajo para vasculhar os sebos das cidades e me divirto sozinho mexendo e comprando livros antigos, velhinhos, mas cheios de histórias de seus antigos possuidores. Dedicatórias incríveis, histórias contadas pelos donos de sebos, curiosidades de outros amantes do livro.

Escrevo tudo isso para dizer que guardo algumas recordações marcantes de livros que adquiri por essa vida. E uma delas tem tudo a ver com a M Música. Foi através da M Música, grupo virtual e real de compositores e apaixonados por música, que eu descobri o livro de poesias da Etel Frota chamado Artigo Oitavo. Já falei inúmeras vezes sobre esse livro e já escrevi não sei quantos poemas, sempre tomado pela emoção que me assombra toda vez que o releio.

Escrevi uns versos depois da primeira leitura. Lia sem pressa, mas tão vorazmente que a velocidade da fome me atropelava. Depois juntei os cacos do que sobrou e me recompus lendo novamente sem pressa e um pouco mais saciado. A fome ainda existe e peço a Deus que ela nunca se afaste, mas hoje é diferente, não só hoje, a cada dia eu sei que é uma fome diferente.

Quando Etel fez aniversário na Ilha do Mel mandei esses versos pelo Iso Fischer para a aniversariante. Ele leu e imagino (gosto às vezes de imaginar) que causou uma certa emoção no momento da leitura. Uma fisgada que seja. Uma pontada ao perceber como a palavra sempre cumpre seu destino de acender alguém distante e desconhecido. Gosto de pensar que alguém ao ouvir ou ler esses versos percebeu também o tamanho do enlace entre o que aqui reside e o que mora lá naquele livro chamado Artigo Oitavo.

Não tenho muito contato com a Etel. Só um ou outro email aqui e acolá. Estivemos juntos em Curitiba quando ela organizou em sua casa um sarau poético. Iso entrou com tudo cantando e tocando ao piano nossas parcerias musicais. Etel conversou, mostrou parcerias, leu um poema do Silvio (um radialista e poeta de Curitiba). Foi uma noite memorável com o Juarez, Enéas, Vicente e outros.

Tempos depois, eu e Etel, tentamos uma parceria em verso, não deu certo. Mandei pra ela duas estrofes por email e ela concluiu. No final das contas, percebendo que não era o que eu esperava, ela me botou na parede. Depois de longos emails explicativos chegamos a uma conclusão: cada um faria um poema independente. Ela recolheu os versos dela e fez seu poema, sozinha. Virou um belo poema. O meu ficou inconcluso até hoje. Um dia termino...

Bom, depois disso algum tempo passou e voltei a reler o Artigo Oitavo e novos versos vieram, mas aqueles da primeira leitura ainda me rondavam. Sabia que eles não me deixariam nunca em paz se não fizesse algo por eles, se não transformasse aquele momento em algo que não fosse a prisão do papel.

Peguei os versos, contei num email imenso o que significou o livro da Etel e o conteúdo do livro (com alguns poemas transcritos) para o meu parceiro-irmão-amigo Eduardo Franco. Pedi que ele lesse o email e os versos com calma e cuidado.

Queria que esses versos virassem canção e só ele poderia entender exatamente o que eu sentia, afinal ele já me achou não sei quantas vezes em versos que faço pra ele, pensando nele, nas nossas conversas e no som que ele faz.

E tantas e tantas vezes ele soube traduzir em canção o que eu escrevia que não tive dúvida. Algum tempo depois o Eduardo me mandou um email dizendo que a canção estava pronta, depois de alguns ajustes com a gravação, chegamos ao resultado final.

Quem já leu o Artigo Oitavo vai entender melhor os versos, quem ainda não leu pode se deixar levar na canção e tentar imaginar o que tem ali naquele livro de tão especial.

Artigo VIII - Os Estatutos do Homem
Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre
não poder dar amor a quem se ama
e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor.
Thiago de Mello

Artigo Oitavo
(Dedicado a Etel Frota)


Com dor e alegria
De cada pedaço
Eu leio seu livro
Passo a passo

Fronteira de rio
Cipó em laço
Barco vazio
Peixe escasso

Eu sou esse rio
E é nele que eu passo
Estou por um fio
Feito de aço

Se é dor imprecisa
Coração embaça
Se beijo Luisa
Clara me abraça

Riso de picadeiro
Palhaço sem graça
Choro traiçoeiro
Circo e fumaça

Debaixo das lonas
Véu e argamassa
O mundo de Jonas
Hoje me enlaça

Tomo cortisona
E o peito ameaça
Asma que ronda
Tristeza que passa

Se é dor imprecisa
Coração embaça
Se beijo Luisa
Clara me abraça

Você me aprisiona
Raposa de caça
Loba materna
Poeta da raça

Mulher da caverna
Irmã da cachaça
Vinho de taberna
Conhaque de graça

Volto à caserna
E me alinhavo
Estou a perigo
No artigo oitavo

Se é dor imprecisa
Coração embaça
Se beijo Luisa
Clara me abraça


Veleiro

segunda-feira, 1 de setembro de 2008