quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

A arte de voltar - show do Marcos Sacramento


Depois do show cancelado, Marcos Sacramento volta à Fortaleza e faz um estupendo show. Sim, não dá pra dizer que foi um show comum com início, meio e fim. Foi um show completo, pontuado pelo medo e a emoção. Como seria a reação do público? Como seria a primeira canção e a primeira vez que ele encararia talvez o mesmo público de antes? E se o som resolvesse de novo pifar?

Creio que tudo isso passou pela cabeça do cantor porque no burburinho da platéia havia essa interrogação: e se...? Mas o que se sentia, entre os convidados para esse retorno, não era a dúvida do dissabor, era a certeza de que dessa vez tudo seria diferente. Mesmo que o teatro tombasse e a iluminação sumisse e o som desaparecesse. Tudo seria diferente. E foi.

Eu falei teatro? Sim, dessa vez o show foi no teatro do Dragão do Mar e não no anfiteatro, espaço aberto sujeito às intempéries da natureza. Com o espaço fechado, ar condicionado e o jogo de luzes contando a história do show, tudo ganhou uma nova dimensão. Uma crônica contada em versos, música e cantoria. Um enredo conduzido por um narrador seguro e consciente de seu papel de comandante. De seu rosto percebia-se aos poucos a máscara da preocupação cair, e o semblante foi ficando, ao passar de cada canção, mais sereno. Em um determinado momento disse: "alguns aqui sabem como esse show é importante para mim". E era sim. E ele levou a sério essa coisa de retornar ao lugar de antes e reconstruir o que ficou pra trás. Poderia ter seguido adiante, tantos não fazem assim? Mas não.

Ele quis que fosse diferente. Que aquele mesmo público que voltou para casa carregando no bolso o desolamento do último show voltasse agora com o corpo e a alma cheia de alguma coisa maior, que não se diz o nome, mas que se sente. E sentindo, até pode em palavras vulgares, dizer por aí: sabe, ontem no show do Marcos Sacramento, eu fui feliz.

Eu nem esperava, mas ele queria tanto que ela, a felicidade, voltasse com a gente, que ela, tinhosa como sempre foi, cedeu. E voltou. Voltou com cada um que ali esteve. Reconheci isso no rosto dos cúmplices na saída do teatro. Na saída, revi dois amigos que foram conferir o show depois do burburinho da última apresentação. Eles disseram: você viu? Como incrédulos ao que foi apresentado na narrativa das luzes, no ambiente no palco, na sonoridade dos músicos. Que violões! Que pandeiro! Que enredo!

E o narrador lá, cantando como sempre cantou, totalmente envolvido com a narrativa de seus personagens. Aqui e ali um agradecimento à platéia que às vezes esquecia de parar de bater palmas como aconteceu depois que ele cantou A Rosa (do Chico Buarque) ou Vela no breu ( do Paulinho da Viola e Sergio Natureza), talvez esta, a música mais aplaudida. Pela letra, pela canção, pela interpretação do Marcos Sacramento.

No fim, no bis, a apoteose da canção do Herivelto Martins dizendo "vestido de seda, capote de forro, civilizarei o morro".

Não, não é bem assim, não foi dizendo, deixa eu corrigir... in-ter-pre-tan- do. Um cantor-ator no palco. Um cantor que sabe a diferença entre cantar e interpretar. E faz os dois, quando quer e bem quer para delírio e surpresa da platéia. Ora junto, ora separado, o ator e o cantor se misturaram. Na medida certa, sem exageros ou caricaturas.

O que eu posso dizer para concluir esse relato sobre o show do Marcos Sacramento é que foi um show único. Sim, essa palavra define tudo. Sabe quando você ouve alguém cantar e sabe na hora quem é aquele artista? É assim, no estilo, no jeito, na escolha do repertório, na interpretação. Tudo ali é autêntico e único. E essa é sua maior virtude.


Veleiro