domingo, 6 de julho de 2008

A cidade que eu sou

Enquanto alguns estão indo, eu estou ficando, cada vez mais ficando, cada vez menos indo... Vou ficando porque essa é minha maneira de existir, vou existindo e vivendo na cidade onde nasci. A minha cidade não é uma cidade grande, nem chega a ser pequena, é a cidade do tamanho ideal, do tamanho dos meus sonhos que já não são tantos quanto eu gostaria que fossem.

Muitas vezes penso em partir da minha cidade para outra cidade e viajo como se não fosse voltar, como se não tivesse raízes na cidade que foi ficando para trás, cada vez mais para trás. Até que, sem esperar, acordo em outra cidade sentindo falta da minha cidade, da minha aldeia, do lugar de onde eu vim e me encontro e me reconheço.

É, eu sinto saudade da minha cidade, uma saudade tão doída que volto correndo, coração aos pulos, olhos sedentos pra ver a minha cidade. Às vezes penso que a cidade está dentro de mim e quando estou fora da minha cidade estou também um pouco fora de mim. Outras vezes percebo que estou apenas existindo na minha cidade, existindo como coisa que tem vida própria, só existindo. E vou existindo assim, sem pensar, fingindo para mim mesmo que existir é como viver, quando na verdade a existência é só uma parte da vivência, a primeira parte talvez, a que antecede tudo.

Existir é uma forma de viver sem sentir, é viver anestesiado, seguindo caminhos que levam ao lugar do ninguém, que é o lugar para onde todos estão indo na minha cidade. E por isso, às vezes, eu me sinto sozinho na minha cidade, um pouco indo também para lugar nenhum, um pouco anestesiado, um pouco sendo ninguém.

Na minha cidade é assim, as pessoas estão existindo, apenas existindo. E já não sabem mais o que é viver. Elas existem numa intensidade branda, como convém a quem só sabe existir e já não tem mais tempo para outra coisa que não seja existir. Nesses momentos penso em sair da minha cidade e procurar outra cidade, outra aldeia, ou apenas um lugar no alto da colina ou no meio do mato, onde a cidade seja apenas o que eu quiser que seja. Ou não seja. Seja apenas o que ela quiser que seja, e não seja nem cidade, nem aldeia, nem colina, nem mato. Apenas um lugar.

Um lugar onde eu possa viver e não somente existir, onde eu possa começar tudo de novo: preparar a terra, plantar sentimentos, esperar, e depois colher. E quem sabe fazer o meu próprio pão e beber o meu próprio vinho.

Aí é que percebo que essa cidade existe dentro de mim e não importa que fora de mim os carros buzinem alucinadamente e as pessoas tropecem nos seus sonhos como coisa que não fosse importante. Dentro de mim essa cidade existe e o sol nasce mais cedo e eu preparo meu próprio café, em silêncio. Um silêncio tão intenso que a cidade nem percebe que eu amanheci dentro da cidade que eu sou.

Veleiro