sábado, 22 de agosto de 2009

A lição do sonho possível






Há uns 4 anos atrás estive numa cidade do interior do Ceará chamada Brejo Santo. É uma cidade que fica depois de Juazeiro, Barbalha, Mauriti, já quase divisa com Pernambuco. Um amigo que era juiz numa cidade vizinha havia me convidado para passar uns dias por lá, para tomar alguns tragos e conversar sobre uns assuntos importantes, uma vez que a esposa estaria viajando e poderíamos beber até cair.


Fui. Na noite da minha chegada já ficamos em Brejo Santo (uma cidade próxima da cidade que ele estava morando - Jati) para as amenidades de sempre. Rodamos pela cidade de Brejo Santo, e ele brincando dizia: “é o lugar mais desenvolvido que tem por perto”. A cidade era pequena, tinha uma rodoviária, umas lojas de comércio, um hotel municipal e uma churrascaria onde nos abancamos e ficamos a beber e a conversar sobre assuntos vários.


No dia seguinte, já em Jati, ele tinha uma audiência pela manhã. Como fiquei com o tempo livre fui visitar a minúscula cidade do interior do Ceará onde ele exercia a jurisdição. Entrei nos botecos, olhei o artesanato local e fiquei flanando pela cidade enquanto a audiência acontecia. Caminhando por uma das ruas entrei na farmácia (a única da cidade) e fiquei conversando com a atendente de 20 e poucos anos de idade.


Ela era morena, tinha olhos castanhos, meio amendoados, e guardava um sorriso nos gestos. Havia naquela moça uma alegria camuflada de tristeza, um jeito de quem guarda a esperança num lugar muito escondido da alma. Digo isso porque havia no seu olhar um mundo de ilusões quando me perguntou: “O senhor é da cidade grande?” Respondi que era de Fortaleza. Nesse momento ela mirou o chão.


Fiquei conversando sobre o tempo, a cidade, o calor, o sertão, a chuva que não vinha e outras coisas comuns. Ela foi respondendo e me contando um pouco sobre o seu dia a dia. Era balconista da farmácia, morava com o pai viúvo, tinha 6 irmãos e 3 irmãs e todos já tinham ido para São Paulo, dizia isso com uma pontada de desprezo. Uns voltaram e ficaram em Pernambuco, dois morreram por lá, outros voltaram para Jati sem nada nas mãos ou nos bolsos, e assim foi me contando a tragédia familiar de pobreza, miséria e esperança que não deu em nada.


Quando fiz movimento para ir embora, pois já passava do meio dia, ela disse: “Já vai? Fica mais um pouco”. Respondi afirmativamente, mas no fundo já não queria ir. Foi quando perguntei: “Você tem vontade de conhecer Fortaleza?” Ela me olhou fixamente e respondeu categórica: “Não, nunca pensei nisso, acho que não mesmo.” Fiquei surpreso. Então, perguntei: “Você tem algum sonho?”.


Dessa vez ela nem titubeou, não olhou para o chão, nem fez pose categórica. Disse serenamente como se saboreasse cada palavra: “Meu sonho, meu sonho mesmo, é um dia morar em Brejo Santo.” Brejo Santo, veja só. Aquela cidadezinha antes de Jati que eu havia conhecido na noite anterior... Desejei boa sorte e parti.

Por muito tempo pensei nessa menina, nos meus pensamentos e recordações ela ficou conhecida como a menina do sonho possível. Com ela aprendi uma lição que carrego até hoje: o melhor sonho é aquele que está quase ao alcance da mão, ali bem perto e que a gente pensa muito antes de dar o primeiro passo. Como a distância breve entre Jati e Brejo Santo.


Assim, passei a desejar, a esperar e a sonhar com o que está bem próximo de mim, quase ao alcance da mão, porque sonho, sonho mesmo, é o que a gente vai conquistar, mais cedo ou mais tarde, o resto é delírio.


Será que a menina do sonho possível já está morando em Brejo Santo? Desconfio que sim. Se duvidar deve ser a gerente da maior farmácia da cidade dos seus sonhos: Brejo Santo. Que Deus a proteja, para sempre.

Veleiro

sábado, 15 de agosto de 2009

Pequenos vestígios de amor


Um cheiro ficou pelo quarto
Era do amor que se despedia
Na moldura do porta-retratos
Não ficou nem uma fotografia

No armário o espaço aberto
O lugar onde as roupas ficavam
Agora parece um deserto
Que ronda meu peito e lábios

Lembrança colhida em pedaços
Sementes que a vida plantou
Guardei em mim teus abraços
Pequenos vestígios de amor

A mesa ainda está posta
Regalos da noite passada
Carinho e desejo em compotas
Vinho e uma taça quebrada

A cópia da chave da porta
Esquecida no canto da pia
É como saudade que corta
E dói em silêncio sem anestesia

Sergio-Veleiro

domingo, 9 de agosto de 2009

foto Av. Dom Luiz

Vamos ser sinceros. Ninguém, eu disse ninguém, consegue saber com desenvoltura onde fica a Rua Marcos Macedo em Fortaleza. Já assumi publicamente minha incapacidade de entender onde essa rua se localiza e até que não sou ruim de orientação, mas a Rua Marcos Macedo me tira do sério.

Andando de carro pela cidade eu passo por ela, da janela vejo a placa: Rua Marcos Macedo. De repente, 2 horas depois, resolvendo coisas pela cidade olho de novo e vejo o nome: Rua Marcos Macedo. Como assim? Ela não tinha ficado lá atrás?

Algumas ruas são assim, têm o dom de irritar a gente. Parece que elas é que estão em movimento no mapa da cidade, ficam trançando nosso caminho a ponto de enlouquecer qualquer GPS!

Então, cansado desse baile de logradouros do qual participo mesmo sem querer participar, fui investigar a vida dessas ruas, a origem, o que fizeram no passado para se tornarem o que hoje são. Quem são essas ruas com nomes compostos de pessoas que desconheço e que nos atormentam?

Partindo desse pressuposto básico que algumas ruas de Fortaleza se movem pesquisei e descobri algumas particularidades sobre a Rua Marcos Macedo. Passo agora a revelar a vida, a obra e a desgraça da Marcos Macedo.

A Rua Marcos Macedo era uma criança feliz. Alegre, saltitante e sorridente. Mas tinha uma prima linda, exuberante, cheia de graça e gracejos chamada Prof. Dias da Rocha. A beleza e carisma da prima a irritavam profundamente, mas pensava na sua meninice: um dia essa loura vai se dar mal, hei de ver essa filhinha de papai com o nome sujo no SPC, ou quem sabe estrelando um episódio de nas garras da patrulha. E sendo entrevistada pelo Eli Aguiar!

Longe da inveja da prima, a Dias da Rocha crescia feliz. Como não era boba, casou com um senador e foi morar do ladinho dele. Mas mulher moderna que era, não quis muito encosto, exigiu logo uma casa separada do Senador. Nada de muita intimidade, dizia. Tempos modernos meu rei, tempos modernos. Dizia e sorria na loirice encantadora de sua beleza. Resultado: fincou moradia ali, na primeira rua paralela à Avenida do Senador Virgílio Távora.

Tomada de ódio da prima a Marcos Macedo fez de tudo pra destruir esse casamento. Pediu ajuda aos anjos e santos, mas nada acontecia. A prima Dias da Rocha continuava feliz, vivendo pertinho do seu marido, ali, no paralelo em região nobre da cidade, para desespero da prima Marcos Macedo.

Desiludida, cansada e já bem envelhecida de ódio e inveja, um belo dia a Marcos Macedo tropeçou com um alto representante da Igreja. Pediu socorro, pediu clemência. Luiz era o seu nome, mas gostava de ser chamado de Dom. Foi assim que Dom Luiz, acolheu a Marcos Macedo com sua imensa generosidade e disse: vem morar comigo, esquece tua prima, dar-te-ei casa, comida e moradia pertinho de mim.

Nesse passo, envelhecida e marcada pela inveja, porque a inveja marca feito tatuagem na alma da pessoa, a Marcos Macedo foi parar ali, pertinho da Dom Luiz.

Mas como ainda resistia uma fagulha de inveja, a inveja sempre resiste, antes de morrer a Marcos Macedo pediu: quero ser uma rua paralela a tua, meu Dom, igualzinha a minha prima.

Dessa forma, a Marcos Macedo passou a residir ali, na primeira rua paralela à Dom Luiz.

E assim é a história dessas ruas, cheia de enredos, tramas, ódios, vinganças. E claro, como convém às primas, muita inveja. Sabendo de tudo isso nunca mais me perdi na cidade, agora sei direitinho onde fica a Dias da Rocha e a Marcos Macedo.

Veleiro