terça-feira, 8 de julho de 2008

Uma canção chamada Madrigal

Tudo que eu quis nessa vida foi encontrar a canção certa para o momento certo. A canção e o momento, a canção e o tempo, a canção e o espaço, a canção e a distância, a canção e o encontro. E reunir tudo isso num só momento é coisa rara, muito rara. E é dessa raridade que quero falar agora. Sei que é preciso buscar muito, muito mesmo, prestando atenção nas frestas da alma, na luminosidade que sai das venezianas que nos cercam e deixar o corpo disponível para perceber a canção certa quando ela chegar.

Ouvindo Madrigal na voz do Adolar Marin, que é uma composição do Fernando Franco em parceria com o Zé Edu, eu tive essa certeza de que estava diante da canção certa no momento certo. Resolvi parar um pouco a vida por aqui hoje para escrever sobre essa canção porque ela pedia, porque ela queria, porque ela me exigia palavras que justificassem sua existência no meu dia a dia. E essa exigência muda, silenciosa, me corroia por dentro e me paralisava os sentidos. Como escrever sobre um afeto tão impalpável e tépido feito “o sol de clarear e a hora de ver o nascer das margaridas?”

Eu sei, eu sei que não se justifica o sentimento, nem a emoção, nem a vontade compulsiva de ouvir, ouvir e ouvir a mesma canção por horas, por horas, por horas. Isso é coisa que acontece e é também sorte de quem procura.

Então, nada que eu diga aqui vai justificar coisa alguma, nem vai ser motivo de vaidade dos autores, nem do cantor, nem de ninguém. É que as palavras a isso não se prestam e minha intenção nem de longe é massagear o ego de ninguém, nem elogiar o que é manifestamente belo. Até porque, como dizia o poeta pernambucano, “a beleza é triste”, e eu não estou aqui para falar de tristeza, mas de fragilidades e incertezas.

Escrevo para falar de mim mesmo, para que eu possa seguir em frente, para que eu possa desocupar o espaço que essa canção preenche no meu peito e pensamento e ficar pronto para uma nova canção. Não é despedida, não é um adeus. É só uma reverência, um convite para que ela vá ocupar um outro lugar, um lugar mais sublime, o lugar das canções inesquecíveis.

Deixar essas impressões aqui é como dizer para mim mesmo que não foi em vão, que não vai haver esquecimento e que a memória não vai roubar de mim a delicadeza desse momento. E mesmo quando desatar o nó e mesmo quando a boca já não tiver sabor de hortelã, essa música vai existir, e esse madrigal vai continuar a cantar por dentro, por dentro, por dentro. Por dentro da derme, dos vasos, das veias, dos órgãos, da alma.

Eu preciso conhecer por dentro essas igrejas da alma e voltar a rezar pela vida e pedir bem por todos nós. Mas como a canção anuncia, tanta pressa na vida me fez esquecer da própria vida, e eu escuto esse verso para me desapressar e me desatar de tantos nós.

Uma vez eu disse que essa canção por muitos dias foi a minha oração matinal e é verdade. Era acordar e deixar o violão/voz do Adolar invadir o apartamento enquanto passava o café nas primeiras horas da manhã.

Eu que desacreditei de Deus logo depois que meu pai morreu, voltei a rezar e a primeira prece do dia era essa canção. “Destino é outro dia”, não é mesmo?

Enquanto a água aquecia e o café passava, eu conversava com Deus, uma conversa só minha cheia de silêncios. Silêncios só meus que eram interrompidos por mim mesmo cantarolando “tanta pressa na vida, da gente esquecida, viver é se dar, me dou conta que ainda há outra saída de frente pro mar.”

E entre um e outro silêncio eu ouvia as cordas do violão do Adolar, a melodia do Fernando Franco entranhada na letra do Zé Edu conversando comigo, num pacto matinal, num acordo de cavalheiros nas primeiras horas da manhã, enquanto o café era servido.

Eu que ainda procuro minhas igrejas encontrei nas “igrejas da alma” a oração que eu precisava e que por certo já me procurava em forma de poesia, em forma de canção. Madrigal é e vai sempre ser um pedaço dessas manhãs, um gole desse café e mesmo que o tempo passe (e ele sempre passa), essa canção vai ter um pedaço de mim entranhada na sua sonoridade, misturada nos acordes do Fernando Franco, fundida na letra do Zé Edu e soprada na voz do Adolar.
Veleiro
P.S. Posso enviar a mp3 para quem quiser ouvir essa canção.

2 comentários:

Erico Baymma disse...

Syo e Sérgio,
Que bom encontrá-los "materializados" neste blog. Ainda não vi texto da Syo, mas Veleiro já está bem perdidinhho no mar das aventuras musicais, curtindo a beleza da liberdade emocionante das canções. Fico feliz por cada dia vê-los mais amigos e por ver o Sérgio neste sentido musical que é puro lirismo literário contemporâneo.
Parabéns e beijão aos dois!
Érico

Marisa Porto disse...

Que delícia em dose dupla!
Adorei!
:)