quarta-feira, 23 de julho de 2008

A história de um abraço - para Vera Lima


Você sempre me recebeu com um abraço, sempre. De onde venho isso não é comum, e de início, devo confessar, achei estranho. Mas havia uma boa vontade ou um sentimento tão explícito de satisfação que era impossível não aceitar o seu abraço. Havia sempre uma alegria em você, uma euforia fraterna, um tipo de irmandade nos olhos que me comovia, e eu não sabia recusar o seu abraço. Era sempre como se eu estivesse abraçando alguém muito querido depois de muito tempo sem vê-lo. Isso no tempo em que se permitiam os abraços. Hoje, depois de adultos, já não fazemos mais isso. Quando muito no aniversário ou para desejar feliz ano novo.

Percebi então que o abraço, embora para você fosse tão simples e fácil, é bastante raro. Não só em minha família, que é uma família de poucos abraços, mas também nos meus relacionamentos anteriores pela vida. Abraça-se muito pouco. Depois que a gente vira adulto parece que alguns gestos passam a ser proibidos ou reprovados. Quando criança para qualquer pessoa os braços estavam abertos, prontos para um abraço. E nessa época, a gente nem se importava se o abraço era recíproco e nem sabia direito o que significava abraçar. Era um gesto natural, instintivo. Meu Deus, quanta coisa a gente perde quando cresce... Da ingenuidade ao abraço. Não sinto falta da ingenuidade perdida, nem dos sonhos que somente crianças sonham. Sinto saudade do abraço.

O apoio de mãos sobre as costas, a pressão dos braços enlaçados, o calor humano, a troca de sentimentos, quantas palavras cabem num único abraço? Talvez todas. Na infância, como o rol de palavras é restrito, o abraço serve como meio de comunicação. Para cada momento diferente existe um abraço: abraço de alegria, abraço sofrido, abraço sorridente, abraço angustiado, abraço de não mais largar, abraço para não cair, abraço pra deitar a cabeça no colo, abraço pra dormir, abraço rápido para não atrapalhar a brincadeira, abraço de boa noite, abraço pra se proteger do frio, abraço pra comemorar o gol. Havia abraço pra tudo.

Hoje não abraçamos mais ninguém. Nas poucas vezes é preciso um bom motivo. Geralmente, o abraço vem no dia do aniversário. E não é em todo aniversário. Às vezes, os cumprimentos se encerram num aperto de mão ou naquele falso abraço em que os corpos ficam distantes e as mãos batem nas costas do outro efusivamente. Esse definitivamente é o pior abraço. De todos os abraços, esse falso abraço é sempre o mais incômodo. Quando a mulher faz isso significa: tenho pena de você. Quando outro homem dá esse tipo de abraço significa: mantenha-se distante. Nos dois casos a sensação, após o abraço, é sempre de um vazio monumental. Prefiro o aperto de mão que mantém a distância com honestidade, desde que o olhar seja mantido, porque outro problema é o olhar. Não há coisa pior do que cumprimentar com a mão estendida e ao olhar para pessoa descobrir que ela está olhando para outro lado e não para você. É como se ela estivesse cumprimentando uma porta. É como me sinto nessa situação: uma maçaneta de porta.

Vamos ser sinceros, ninguém abraça sem data marcada. A não ser que se peça, aí também já não tem o mesmo valor. Você, entretanto, sempre agiu diferente. Sempre que me via sua expressão era de braços abertos, prontos para mais um abraço. Depois de um tempo, lá no terceiro ou quarto abraço, percebi que não era um gesto trabalhado. Era natural e instintivo, como passar a mão na cabeça quando a chuva molha. Receber seu abraço era como voltar à infância, com a vantagem de não ser mais tão ingênuo. Era como uma recompensa pelos sonhos que só sonhei quando era criança e que hoje não sonho mais.

Hoje, depois de tanto tempo de amizade, quando vejo você de braços abertos recebendo as pessoas com seu abraço cheio de afeto e compreensão, fico feliz pelo abraçado. Fico feliz porque sei o que seu abraço significa, porque sei o afago na alma que ele proporciona. E fico mais feliz ainda por saber que já já você vai me abraçar de novo, daquele seu jeito que só você sabe abraçar. Saiba que de tudo que aprendemos juntos (amizade não é sempre essa via de mão dupla de tantos aprendizados e afetos?) o seu abraço foi a melhor parte. Eu que tenho lá meus tantos silêncios entendo melhor o que as palavras não dizem, e pra que mesmo servem as palavras se o seu abraço já me diz tudo?

Um grande e demorado abraço desse teu veleirim-amigo,
Sergio

Um comentário:

Anônimo disse...

Ôooo meu Veleirim querido...amigo dessa e de outras vidas!
Obrigada por este texto tão afetuoso, generoso e delicado. Só posso te dizer que aceito tuas palavras com muita alegria e carinho. Quisera eu poder inventar agora, palavras outras, totalmente novas pra te presentear!
Na falta de novas palavras, fique com o meu abraço, que não é novo mas se renova e fica melhor a cada vez que nos abraçamos!!!