sábado, 25 de setembro de 2010

Eu tenho um amor 84, charing cross road



Eu já tive um amor à distância, já usei a internet com essa finalidade e me envolvi afetivamente com alguém. Confesso. Sim, já gostei tanto de alguém sem conhecer, e era tanto que não podia haver tanto. Até que conheci e foi inesquecível, enquanto durou.

Sempre associei o gostar ao conhecer. E agora vem a Lulu que há anos conheço sem conhecer. Quem é essa desconhecida que tem me deixado tão feliz ao ouvir suas canções nas ruas que hoje caminho?

Eu não sei. Sei só que ela existe como algo real por fora e a certeza de que tudo é sonho, como algo real por dentro. Sei que ela está ali bem perto, ou aqui mesmo do meu lado, eu posso sentir isso. Às vezes ela me olha esquisito como se quisesse saber mais de mim e me faz perguntas vagas querendo chegar a algum lugar que ainda não sei ao certo onde é.

E se soubesse, de que adiantaria? Continuaria a responder-lhe as perguntas que eu mesmo já não faço, a oferecer-lhe as respostas que não respondem coisa alguma porque a vida é um enigma a ser decifrado. E o amor também.

Mas o que é mesmo que ela vai fazer com tantas informações sobre mim? Vai desenhar o meu perfil numa folha de papel em branco? Que cores usará para pintar minhas alegrias, tristezas, seriedades e impaciências de ariano?

Reconhecerá a calmaria aparente dos meus olhos que ocultam a vontade de vida a ser vivida? Sondará meus gestos? Calçará meus sapatos medindo com cuidado o tamanho das pegadas deixadas por mim no seu coração delicado? Rondará minha cama, feito fera faminta enquanto durmo? Velará meu sono com olhos de ternura e cuidado? Não sei, não sei...

O pouco que sei a respeito dela confunde-se com o muito que sinto quando imagino escutar sua voz, cantarolando suas canções, e que belas canções... E volto à internet cheio de propósitos procurando aquele vídeo em que ela diz: “se por acaso me vires por aí, disfarça e finge não ver...”

Mas hoje eu sou diferente do que eu era no tempo que não havia tanto... O que me fez ser diferente do que eu era? Diferente daquele caminhante sempre indo em linha reta, sempre adiante? Mas pra onde ia mesmo aquele moço cheio de certezas e verdades incontestáveis com seu olhar altaneiro e firme?

Ele pouco prestava atenção nas coisas do lado e a vida, às vezes, está nas coisas do lado, na paisagem da janela, à esquerda de quem vai, à direita de quem vem... E esse moço que fui muitas vezes nem sequer olhou de lado.

O sentir e o desconhecer misturam-se no mesmo caldeirão e eu já não sei mais se de fato eu não a conheço plenamente sem nunca ter visto! Talvez ela seja uma espécie de “meu 84, Charing Cross Road”.

É isso, eu tenho um amor 84, Charing Cross Road. E quem não sabe o que é isso precisa ver ou rever o clássico filme com o Anthony Hopkins e a Anne Bancroft.

Lulu*, feliz aniversário.

Beijos

Teu veleirinho hopkins

(* Luanda Cozetti)

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Um cafezinho com Adélia


Hoje fui atropelado por esse poema. Um amigo, dos bons, e daqueles que a gente demora anos para encontrar ao vivo por conta dessas coisas do mundo virtual me mostrou.

Certamente nos livros que aqui tenho da Adélia não consta esse poema, ou será que nunca tinha lido antes com olhos de hoje? Enfim, atropelado que estou já não sei, só sei que vale a pena ler e reler cada sílaba:


Quando fui ferida,
por Deus, pelo Diabo, ou por mim mesma,
- ainda não sei -
percebi que não morrera, após três dias,
ao rever pardais
e moitinhas de trevo.
Quando era jovem,
só estes passarinhos,
estas folhinhas bastavam
para eu cantar louvores,
dedicar óperas ao Rei.
Mas um cachorro batido
demora um pouco a latir,
a festejar seu dono
- ele, um bicho que não é gente -
tanto mais eu que posso perguntar
Por que razão me bates?
Por isso, apesar dos pardais e das reviçosas folhinhas
uma tênue sombra ainda cobre meu espírito.
Quem me feriu perdoe-me.

(Adélia Prado)

domingo, 19 de setembro de 2010

Um domingo com os trovadores urbanos



Hoje passei o dia quase todo ouvindo os Trovadores Urbanos.

Parei nessa canção e não consegui parar de ouvir repetidas vezes. Admiro muito o trabalho deles, muito mesmo. Sem falar das visitas que eles fazem ao hospital do câncer e outras instituições levando a música da forma mais sublime que conheço. Trabalho delicado. Muito. Eis a letra da bela canção do Juca e Eduardo.


Peregrino

Vim te buscar na luz
Clara do farol
Que ilumina a noite.
Seguir teu rumo
E ao luar com luz de sol
Tão logo o dia se foi
Te trouxe a palavra verdadeira
E minha estrela derradeira
Como um peregrino saído da escuridão.
Vim depois de todas as fronteiras
Vim, pois te busquei a vida inteira
Vim como um menino
Que encontra o teu coração.

(Juca Novaes e Eduardo Santana)

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A felicidade é como a flor do caju




Não é triste o lugar onde eu me encontro, nem é turva a nuvem do meu caminho. Às vezes, fico quieto olhando uma pedra ao chão caindo e um cajueiro balançando e suas folhas me sorrindo...

A minha felicidade é como a flor do caju que se abre no sol da manhã, sem pressa, como quem cumpre o seu papel no teatro da natureza: despojar-se ao sol, à chuva, ao vento, à lua.

A minha felicidade é assim: semente de um roseiral que nunca esmorece, rígida e encorpada, fechando-se em pétalas de prece às intempéries da vida e em pétalas de fé no desamparo da morte.

E porque o tempo não passa no relógio celeste, a minha felicidade é secular, pétala solerte, que se dissolve no murmurar de um vento agreste. Sei que ela, a minha felicidade, na palma da mão cabe e sei também que por entre dedos me foge. Fugaz, fugidia é minha felicidade, louca varrida e doida curada que some no meio do dia e me escapa no cair da tarde.

- E o sol se pondo por detrás das colinas do outono -

Mas logo em seguida ela empina e sai pela rua vadia, rondando de casa em casa até o amanhecer do dia, no primeiro sinal da madrugada. Minha felicidade é dançarina, balé de cores suaves, e voa clandestina, no bico cinzento das aves.

Veleiro

sábado, 4 de setembro de 2010

A tal da leitura obrigatória...


Acho a frase ‘leitura obrigatória’ um conceito falso. A leitura não deve ser obrigatória. Devemos falar de prazer obrigatório? Por quê? O prazer não é obrigatório, o prazer é algo buscado. Felicidade obrigatória!

A felicidade, nós também buscamos. Fui professor de literatura inglesa por vinte anos na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires e sempre aconselhei a meus alunos: se um livro os aborrece, larguem-no; não o leiam porque é famoso, não leiam um livro porque é moderno, não leiam um livro porque é antigo.

Se um livro for maçante para vocês, larguem-no; mesmo que esse livro seja o Paraíso perdido -- para mim não é maçante -- ou o Quixote -- que para mim também não é maçante. Mas se há um livro maçante para vocês, não o leiam: esse livro não foi escrito para vocês.

A leitura deve ser uma das formas da felicidade, de modo que eu aconselharia a esses possíveis leitores do meu testamento -- que não penso escrever --, eu lhes aconselharia que lessem muito, que não se deixassem assustar pela reputação dos autores, que continuassem buscando uma felicidade pessoal, um gozo pessoal.

É o único modo de ler.

Jorge Luís Borges

Luanda Cozetti e a espera...



Quando estive em Lisboa, ano passado, fui conhecer o café à brasileira por conta dessa canção. Sentei perto da estátua de Fernando Pessoa, tomei um café, e por uns instantes esperei essa moça do vídeo.

Ela não sabia que eu estava lá, mas não saber fazia parte, queria que fosse casual. Infelizmente depois soube que naquele dia ela estava fazendo shows em outra cidade perto de Lisboa. Não importa, o que importa mesmo é que eu fui lá e esperei por ela, como imaginei um dia fazer.

Lulu, moça da flor lilás, você continua sendo o meu amor 84, Charing Cross Road, i love you. Qualquer dia voltarei para repetir tudo de novo.